sábado, 23 de novembro de 2024

Carta para o meu pai

“ O cuidado é a medida do amor “

          Obrigada por cuidar tanto de nós . 

Do pai novo que embalava a filha que adormecia apenas com as suas canções . Das laranjas descascadas para todas nós e até hoje, para a mãe . Das curiosidades despertadas através das viagens , dos passeios aos museus e pela natureza ( embora não tenhamos guardado nem metade dos nomes das árvores ). Do olhar fotográfico, que sinto que herdei um pouco , e que o João Pedro tinha. Da gaita tocada, que nos surpreendeu pela  habilidade musical e de quem a Sandra deve ter herdado o ouvido quase absoluto. Dos gibis que sempre existiram em nossa casa que incentivou o prazer da leitura, e posteriormente as inúmeras enciclopédias ( Barsa, Delta, Ler e saber, Mundo das crianças). Dos matinês no cine Augustus, com a abertura com o tema de Lara,  que fazia as delícias do domingo de manhã. Das lindas orquídeas cultivadas, na casa da rua Jandaia. Das viagens pra praia, com o porta bagageiro em cima do carro. Do avô que conseguia carregar um neto em cada braço . Dos sukiyakis, nishimês e cozinha deliciosa, que nos presenteia até hoje. Do trabalho incansável. Do ensinamento do voluntariado e da cultura japonesa. 

De tantos shows, circos e espetáculos que nos levou. Holliday on ice, Orlando Orfei estão em nossas memórias, entre outros.

Dos jogos de baralho , dominó e de ter transformado a mesa de jantar em mesa de ping pong  ( sem a aprovação da mãe, mas voto vencido ). 

Dos bolos da Confeitaria Suíça nos aniversários, ovos de Páscoa  do coelho e presentes do Papai Noel .

Se escrevêssemos tudo, esse texto seria interminável ..


Por isso, finalizo com um poema de Cora Coralina que gosto muito . 

Pois o senhor tocou e continua tocando muito os nossos corações: 

“Não sei se  a vida é curta ou longa demais pra nós,
mas sei que nada do que vivemos tem sentido,se não tocamos o coração
das pessoas.

Muitas vezes basta ser: colo que  acolhe, braço que envolve, palavra
que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima
que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.

E isso não é coisa  do outro mundo, é o que dá sentido à vida.

É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas
que seja intensa, verdadeira, pura… enquanto durar.”

(Cora Coralina)


Por tudo que nos ensinou por todos estes anos, nós, familiares e amigos agradecemos: nosso muito obrigado!!!

domingo, 17 de novembro de 2024

Conversa com o meu filho


Veio a partida inesperada. Angústia. Fala entupida. Fui para a terapia. Minha cura era falar tudo.


Um dia descobri que a fala não consegue expressar tudo.  

Descobri o lapso entre o pensamento e a fala. Ideias são muitas . A fala não acompanha.  No entanto, continuo escrevendo como quem fala.

Conversa com as mulheres que vieram antes de mim. Conversa com as mulheres que vieram depois de mim. Conversa com o meu filho .

Colo para mim. Colo para outras mães . E quem sabe, colo para o meu filho.


Escrito durante a oficina de escrita e cura. Baseado em um texto de Ana Cristina Cesar

domingo, 3 de novembro de 2024

Ainda sobre finados

              Eu não sei perder.

              Tenho dificuldade em deixar as pessoas do meu convívio irem, e as vezes não cabem mais .

               Guardo cartões, presentes de muito tempo. Da época em que se mandava cartões e aerogramas ( lembram ? ) de Natal.

               Finados, dia dos mortos. De quem se foi, partiu.

               Ah , mas você não perdeu. Ele está do outro lado do caminho. 

               Sim, está . 

               Mas … perdi a convivência. Perdi o beijo e o abraço. Perdi a escuta da voz, chamando mãe. Perdi o olhar. Perdi o cuidar. Perdi os sons que ecoavam pela casa: a música, o videogame, a TV ligada, as brincadeiras com a Meg. Perdi o senso de humor e a visão do seu sorriso. 

              Dia de lembrar das perdas. E de tentar lembrar dos ganhos,  da convivência,  do tempo que esteve por aqui ( se possível).