segunda-feira, 21 de setembro de 2020

“ Escrever é como girar a faca na ferida”

“ Escrever é como girar a faca na ferida”  Elena Ferrante

           Por que escrevo então ?

           Escrevo para mim, porque é terapêutico. Porque posso expressar os sentimentos guardados. Porque me ajuda a organizar as ideias e prosseguir. Porque seria insuportável para mim e principalmente para os outros,  falar muito sobre o luto. Morte ainda é tabu. Luto é sofrimento. Numa sociedade que exalta o prazer é quase “assunto proibido”. Constrange.

           Escrevo para o João Pedro. É quase como trazê-lo novamente ao nosso convívio. Para os que conheceram, recordar. Para os que não tiveram a oportunidade de estar com ele, saber da existência curta e linda deste ser iluminado. E de alguma maneira, quando declaro a saudade e o amor que sinto, imagino que essa mensagem chegue até ele.

          Escrevo para quem teve uma experiência de luto intensa,  como a de perder um filho. Comecei o blog, para reunir as publicações que fazia nos dias 17, em um único lugar. No começo, postava apenas textos, de outras pessoas, com que me identificava. Na missa de um ano  de falecimento do João Pedro,  escrevi e tive a coragem de ler uma carta  para ele.  Compartilhei o que escrevia, com algumas pessoas. Quando uma amiga, que havia perdido familiares, contou que os  textos haviam ajudado no seu processo de luto, resolvi publicar ( ainda que encabulada pelos amigos jornalistas e professores de português).

          Por isso, sem qualquer pretensão literária  ( nem ousaria) , “giro a faca na ferida”. Talvez para tirar um resíduo do que ficou. E assim, seguir adiante. 



sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Mistério de Deus


 “ Enterrar uma criança de doze anos atenta contra toda a lógica. É a penumbra do Mistério de Deus”.

( postado no dia do enterro do João Pedro. Li muito tempo depois.)

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Saudades infinitas


             Dói, a dor chega a ser física de tanto que dói.

             Hoje eu chorei, chorei de tanta saudade que eu sinto de você.  Chorei muito. Impossível não sentir dor, sou mãe.

             Penso que é como uma cicatriz de um corte profundo. Não está em carne viva mais, mas está lá. Lembrando do que foi, da dor que vivenciou.

             Acho que é como marca de uma tortura que traz as lembranças da dor física e emocional. Sim, tortura de ver seu filho em menos de um mês, vinte e cinco dias, passar de uma criança saudável a um “corpo “. Quanta tristeza inserida nessa palavra, tão impessoal.

             Gratidão? Tenho. Pelo tempo lindo que passou conosco.

             Mas hoje é dia de chorar de saudades.

             Como bem escreveu o poeta:

            “ Que a saudade é o revés de um parto

               A saudade é arrumar o quarto

               Do filho que já morreu” 


               Ou ainda:

            “ Que a saudade é o pior castigo

               E eu não quero levar comigo

               A mortalha do amor 

               Adeus”.


               Saudades, saudades, saudades...

               Saudades todo dia, saudades infinitas até o dia do nosso reencontro.

           

( escrito em uma madrugada insone de setembro de 2020)

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Cinco anos ( carta) ou cinco minutos

            Cinco anos atrás eu tinha você aqui em casa. Lindo, saudável, inteligente. Como o destino nos prega peças, tudo mudou pouco depois. Cinco anos atrás foram os seus últimos momentos nessa casa. Brincando com a Meg, jogando videogame, fazendo tarefas, chutando bola. Cinco anos... não dá para acreditar. Tanto tempo e ao mesmo tempo tão próximo. Acho que vai ser sempre assim, independente de quanto tempo passe. Cada lembrança sua é muito vívida. A voz, o cheiro, o toque... Tinha tanto medo que se perdesse. 

              Estamos com duas cachorrinhas, por enquanto hóspedes. A branquinha e a pretinha. Você teria adorado brincar com elas. São duas filhotinhas arteiras. Tio Paulo achou no meio do nada e pediu para ficar aqui provisoriamente. Lembro do quanto brincava com a Meg . E como  ficava bravo quando a Meg protegia a Amanda, dizia que queria um cachorrinho só pra você. No entanto não esqueceu da Meg, nem no hospital. Falava da falta que sentia dela.

              Que bom que tiveram a Meg para partilhar a infância. Hoje ela já está velhinha. Não corre, nem salta tanto como antes. Seus passeios são mais curtos, as sonecas maiores e enxerga menos. Ah, se soubesse o quanto ela esperou por você. Ia para a porta nos horários da sua chegada, que não eram mais seus.

             Como os fins de tarde foram difíceis para todos nós . Seu pai ficou perdido sem ter que levar você no futebol, no tênis ou no campo. Acho que era a hora mais difícil do dia pra ele. Não ter a sua companhia diária.

             Era uma correria com vocês dois e tantas atividades. Sabia que sentiria falta quando crescessem. Jamais imaginava que seria assim. Teve época em que um estudava de manhã e o outro a tarde. Chegava com um, almoçava e corria pra levar o outro. E final do ano então ... Torneio interno da Arel ( Eurocup), taça cidade de Londrina, ensaios e espetáculos de Ballet da Amanda, apresentação de piano. Era uma maratona que me traz muita saudade e boas recordações.

            Ah, se eu tivesse uma máquina do tempo. Voltar a ver vocês crianças e felizes. Alegres e barulhentos. Criando apresentações dos teatrinhos  ( sob a direção da Amanda) com a trilha sonora da Palavra Cantada,  fazendo  cabaninha com a mesa de jantar e colchões, escorregando de papelão pelas rampas de grama, piqueniques e muito mais.

             Hoje na palestra que ouvi, a pergunta era a seguinte: o que faria se tivesse cinco minutos com a pessoa que você ama e se foi?

              Daria abraços apertados e beijos até você reclamar. Diria o quanto eu o amo e sempre amarei. Independente do tempo e da distância. Será que você me responderia “ mãe você já me falou isso” como me dizia quando eu falava que o amava? Ou ainda “ isso eu já sei”.

               Que bom, filho. Você sabia o quanto era amado. E saiba, sempre será.

                                              Sua eterna mãe 


( escrito em algum dia de agosto de 2020)     

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

O amor acaba quando as pessoas morrem?


"- Mãe.

 - Sim.

 - O amor acaba quando as pessoas morrem?

 - Claro que não.

 - Mas o coração deixa de bater e deixa de sentir.

 - Meu filho, quando um relógio para, o tempo deixa de passar?

 - Não.

 - Com o coração é a mesma coisa. Pode parar e deixar de bater, mas o amor que trazia nunca vai passar, porque o deixou ficar por onde passou."


💛 lado.a.lado



Cinco anos atrás recebi a notícia da morte cerebral do meu filho...

Sua voz

             Hoje faz 5 anos que escutei a sua voz pela última vez. Na correria, tendo conseguido vaga num hospital de excelência, com um dos melhores neurocirurgiões do país e cheia de esperança. Você falava que estava com muito sono. E eu conversando com você .

               Às vezes eu me pergunto, como diz aquela música : “ se foi pra desfazer por que é que fez”. Conseguir vaga com o médico recomendado nas circunstâncias que aconteceram, parecia um milagre. Parecia que tudo estava encaminhando bem e que tudo terminaria bem. Eu acreditava nisso.

              Mal sabia.... mesmo com todas as circunstâncias.

              Ah, se eu soubesse... acho que eu queria ter dito mais para você. Que você foi o melhor filho que eu poderia ter tido. Que tenho muito orgulho do que é ( foi). Que você e sua irmã são a melhor parte de mim. Que se você fosse embora, uma parte de mim seria arrancada, deixando um espaço jamais preenchido, porque ele é seu e sempre será.

                Hoje eu sei deste vazio presente. Desta ausência presente. Da sua voz que eu não escuto mais,  chamando “mãe “.


( escrito em 1/9/2020. Tempo de reviver os acontecimentos para poder seguir em frente)

sábado, 12 de setembro de 2020

As criaturas não morrem


                    “Não são as criaturas que morrem.

                    É o inverso:

                    só morrem as coisas.

                    As criaturas não morrem

                    porque a si mesmas se fazem.

                    E quem de si nasce

                    à eternidade se condena.”



                            Mia Couto

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

O espaço vazio

           Hoje foi o seu último dia nessa casa,  5 anos atrás . Suas risadas não ecoam mais, seu sorriso maroto, a bola quicando, o barulho do videogame... sons que não existem mais.

            Parece impossível, tanto tempo e ao mesmo tempo tão próximo. Ainda às vezes parece um pesadelo.

             No entanto, o tempo passou. Muitos acontecimentos e mudanças que você não acompanhou ( ao menos presencialmente). 

             Seus amigos, adolescentes e pensando no vestibular. Você foi o amigo de infância. Infância esta que ficou pra trás. Só de pensar nisso, dói. Dói pensar no que poderia ter sido e não foi. Dói pensar no futuro sequestrado abruptamente.

             De um dia para outro, o menino que estava aqui, jogando, brincando, rindo, desapareceu.

              Foi de um hospital a outro e nunca mais voltou. Casa sem brinquedos espalhados, videogame permanente montado, chuteiras e bolas, cults e tarefas do kumon espalhadas.

              E um vazio que nunca será preenchido. Ressignificamos a vida. Por questão de sobrevivência, seguimos. Mas o seu espaço estará sempre aqui. E a sua ausência também. Infelizmente...       


( escrito em 24 de agosto de 2020)

Amar alguém


 Extraído do site Laços e Lutos da Teresa Gouvea 

Publicado em 17/07/2020 no meu Face.

Bem assim...

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Por que as crianças morrem?

“ Algumas flores desabrocham apenas por alguns dias. Todos as admiram e amam por serem um sinal de primavera  e de esperança . Depois, essas flores morrem. Mas já fizeram o que tinha que fazer...”

Elizabeth Kübler-Ross

Resposta da autora para a pergunta acima... Extraído do livro autobiográfico  A roda da vida.

Publicado em 17/08/2020

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Dia das mães de 2020

       Agora aqui sozinha eu posso chorar. Eu sinto muito a sua falta, filho. Meu dia das mães nunca mais vai ser completo sem você aqui. Eu sei que tenho a graça de ter a presença da minha mãe , nos seus 82 anos. E que tenho a filha linda e maravilhosa que é sua irmã . Às vezes me preocupo com ela, porque meu maior desejo é que ela seja plena e feliz.

       Mesmo assim, não consigo vivenciar o dia das mães da mesma forma. Você partiu e levou um pedaço de mim. E essa sensação de incompletude parece que sempre vai me perseguir nessas datas.

       “Seja feliz e grato com as graças que possui”. Agradeço Senhor. Mas não posso disfarçar o que sinto. Seria mentir pra mim mesma. Sabe que não sou de fugir da raia. Prefiro enfrentar do que ter assuntos mal resolvidos.

        Estava pensando na minha “ quarentena “ ou afastamento social quatro anos e meio atrás. Ia da casa para o hospital, aqui. Cercada de todos os medos e sem conseguir dormir. Apenas quando a exaustão chegava. E depois, em Curitiba, da casa da minha tia para tomar banho e dormir um pouco, para o hospital. Foram os períodos mais difíceis da minha vida. Mas nunca acreditei que teria o desfecho que teve. Foi tempo de muita oração e ressignificar muitas coisas na minha vida.

        Filho, queria tanto ter você aqui hoje para ter me acordado com um beijo e um abraço seu.

        De ter na sexta feira ido à escola ganhar um presente feito pelas suas mãos e comido bolachinhas, sanduichinhos e bolos feitos e servidos por você . 

        Foi um tempo bom. Pena que não volta mais.

        Você me deixou muito de você . Para sempre no meu coração.

         Te amo muito. Para todo e sempre.

( escrito no Dia das mães de 2020)