sábado, 27 de novembro de 2021

Nossos amigos


“ E às vezes quando os procuro, noto que eles não tem noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, por que eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida. “   Vinicius de Moraes, sobre os amigos.


           Em todo o processo do luto, os amigos foram fundamentais. E mesmo antes dele. Nos dias mais difíceis de nossas vidas , eles estiveram ao nosso lado. 

           Amigos que ficavam na espera do hospital, mesmo sem poder entrar. Amigos que vieram oferecer ajuda de diversas espécies: emocionais, financeiras, espirituais. Amigos , que mesmo passando momentos difíceis em suas vidas ( que depois soubemos), vieram nos prestar apoio. Amigos que prestaram ajuda profissional, acompanhando todo o tempo de internação. Amigos de muitas orações. Somos privilegiados de tantos amigos assim.

          No entanto,  pessoas que se encontravam próximas, não estiveram mais. Num momento que muito precisávamos… muitas vezes apenas da companhia, da presença. Sem nada falar…

          Outros nos cercaram de tanto carinho, não nos deixando sozinhos. A flor que ganhei no primeiro aniversário do João Pedro, após a sua partida , sempre floresce nessa data. Os primeiros dias 17, sempre procuravam estar presentes ( atitudes estas inesquecíveis). Amigos irmãos.

         Assim é a vida… alguns são para sempre. 

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Kintsugi

   
         
        

           Seu pai adorava o dia do aniversário, acordava feliz, sempre feriado. Depois da sua partida, não conseguiu mais comemorar da mesma maneira.

          Celebrar a vida, sem sua presença causa certa estranheza . Quando estava no hospital, tentamos “negociar” com Deus, para que Ele nos levasse em seu lugar. Ele não nos ouviu, sua missão havia terminado, mas a nossa não. O lado “ sombrio dos mistérios divinos” , além de nossa compreensão total.

          Não me destruí, Ele me sustentou. No entanto, algo se quebrou.  Não possui a mesma plasticidade, a mesma vibração.

          No Japão, existe a arte  do kintsugi ou kintsukuroi que consiste em colar as partes quebradas de um objeto de porcelana com uma resina de ouro em pó. Ao invés de disfarçar as fissuras, elas se tornam evidentes, valorizando os objetos e tornando alguns, mais  apreciados que antes de quebrar. Objetos novos.

          O processo de secagem é um fator determinante, no kintsugi. A resina demora semanas, ou até meses, para endurecer.

         Assim , como na vida. As cicatrizes demoram para secar. E estão lá, evidenciadas. Podemos até  ser  melhores agora, diante da resiliência e do amor próprio. 

         Mas eu me pergunto, a que preço ? Alto, muito alto.

sábado, 6 de novembro de 2021

Paciência

           Assistindo  a um seriado, deparei com a seguinte cena: uma mãe tem um filho, com um problema congênito, que passa boa parte do seu curto tempo de vida ( 4 anos) em tratamento num hospital. Após a morte do filho, essa mãe retorna várias vezes a este local. Embora as lembranças fossem dolorosas, queria conversar com quem tinha conhecido seu filho e ouvir que era a mãe do fulano, como a chamavam no hospital.

          Quando falamos dos nossos filhos que partiram, normalmente as pessoas mudam de assunto. Acham que falar traz sofrimento. Sentem-se incomodadas ( creio que a mudança de assunto muitas vezes é por elas e não por empatia). Mas as mães que perderam seus filhos querem falar,  contar as histórias que se encontram incorporadas a elas. Tal como uma “ mãe de primeira viagem” adora contar dos primeiros passos, da papinha, das travessuras dos filhos. Nós não temos fatos novos, apenas as lembranças. Mãe sempre será mãe, com os filhos presentes neste mundo ou não. E mães gostam de falar dos filhos. Será que o mundo pode compreender?

          Certa vez, uma mãe que havia perdido a filha pediu para que fosse a casa dela, porque achava que eu a compreenderia. Pensei muito em como agiria, o que falaria. Depois descobri: o que ela mais queria era contar a sua história. Poder falar sem que fosse interrompida ou censurada. Ou achar que perturbava os outros.

          Como diz Lenine:

“A gente espera do mundo e o mundo espera de nós

Um pouco mais de paciência

…..

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma

Até quando o corpo pede um pouco mais de alma

Eu sei, a vida não para “

 

          Nem sempre a paciência se manifesta. Nosso mundo parou por um tempo, mas a vida não para.