terça-feira, 29 de junho de 2021

“Cantar é rezar duas vezes”

“ Cantar é rezar duas vezes”


              Fiquei pensando sobre esta frase de Santo Agostinho  que o cunhado citou em uma conversa e que havia lido na mesma semana em um livro. Coincidência? Não sei.

               Pensei  nas canções que me fazem lembrar você. Do Acalanto do Dorival Caymmi que cantava pra vocês dormirem: “ é tão tarde a manhã já vem. Todos dormem a noite também. Só eu velo por você meu bem… “.

             Das cantigas de roda clássicas : “ a canoa virou , por deixar ela virar…”. Você gostava do “ pai Francisco entrou na roda, tocando o seu violão ….”.

             Dos contos de fada , com parte cantadas ( lembranças dos discos coloridos da minha infância):         “ pela estrada afora eu vou bem sozinha, levar estes doces para a vovozinha” ou “ eu vou, eu vou pra casa agora eu vou…”.

             E dos CDs da palavra cantada: a princípio cantadas “ o que é que tem na sopa do neném..” . Posteriormente, interpretadas sob a direção da Amanda: “ a noite no castelo…” e a melhor parte “ vira minhoca…” devidamente contorcendo no chão feito minhoca.

            Depois veio o primeiro CD que me pediu para comprar: do Black I Peas, escutado no aniversário de um amigo. E o telefonema dizendo que já estava cansado de ouvir aquele CD e queria um do U2 ( devia ter uns 7 anos).

            Antes as músicas da escola: “ perdi meu anel no mar, não pude mais encontrar”. E toda a sequência das músicas de festa junina: começando com o pezinho “ai bota aqui, ai bota aqui o seu pezinho…”,  passando por “vamos dançar , em volta da fogueira…” , chegando no coco e no pau de fitas ( dançado, mas não cantado).

           E as músicas que pediam para eu cantar: “mãe canta a música da lua” . E lá ia eu: “ a lua quando ela roda é nova, crescente ou meia lua…”.  - de novo mãe : “ minguante ou meia…”.

          Ah , você e a Vivi cantando a música do Frozen: “ você quer brincar na neve…”  e brincando com os agudos. 

          O astronauta que foi a música que tocou na última apresentação de piano ( havia parado de estudar).

         A música que tocou na sua primeira comunhão : “ minha luz é Jesus, meu caminho é Jesus…” numa noite linda, sob uma uma lua imponente . E no hospital, na capela “ quero sentir o calor das suas mãos…”

         E ainda, na missa de sétimo dia com a participação dos seus amigos da escola: “ tu és Senhor,  o Bom pastor por isso nada em minha vida faltará ..”

         Como lembro disso tudo? Não sei. Memória auditiva? Não, mais que isso.  Memória afetiva.


Ps: coincidentemente hoje é dia de São Pedro e São Paulo , últimos santos festejados nas festas juninas.


quarta-feira, 16 de junho de 2021

Sobre Pérolas no Asfalto

     


          “ Não fujo das recordações com a ilusão de que me enfraqueceria, ao contrário tem me fortalecido. Não evito as ruas que nos eram conhecidas, nem as pessoas que conviveram conosco. Não evito ouvir as músicas que cantávamos, nem os lugares que foram cenários de inefáveis lembranças. Percorri e recordei, em meus passos vacilantes…Fui enfrentando, com confiança perene, fé robusta e esperança fértil as histórias tão conhecidas e marcantes, os aromas que me embriagavam a mente, as cores vibrantes e tão peculiares que anunciam a primavera e o verão Todas essas lembranças me devolvem minhas crianças e meu marido.”

( Extraído do livro Pérolas no Asfalto da autoria de Vânia Borges de Carvalho, única sobrevivente de um acidente que vitimou seu marido e os quatro filhos)

               

                 Assim como as minhas lembranças trazem meu filho para mim. Por isso não fujo das recordações, das pessoas, das músicas, dos aromas e dos lugares. E agradeço por ter essas preciosidades comigo, eternamente.

segunda-feira, 7 de junho de 2021

O trabalho


                Estranha essa sensação de pensar em parar de trabalhar. Depois de uma rotina de 27 anos no mesmo lugar . Sem despedidas. Em teletrabalho. No meio de uma pandemia que já dura quase um ano e meio sem vermos as pessoas que estávamos habituados a conviver.

               No entanto, apesar de tantos percalços o trabalho me salvou. Fiquei uma semana fora, após o falecimento do João. O tempo que o Mário ficou.  Questionaram-me o porquê do retorno precoce. Achei que não deveria continuar em casa, com a Amanda indo para a escola  e tentando fazer a vida continuar. 

                Foi mais difícil voltar do que eu imaginava. Confesso que inicialmente tive vontade de sair correndo. Fiquei pensando no que eu falava antes para as pessoas enlutadas. Sim, eu sei que na melhor das intenções. E talvez sentindo-se na obrigação de falar algo. Hoje eu sei que o melhor  talvez seja: “ só queria te dar um abraço “ como recebi. Tem horas que não tem o que falar...

                 O trabalho não diminuiu minha tristeza, meu luto. No entanto, ele me manteve ocupada. Fazia com que por alguns momentos eu me distraísse com outros pensamentos. 

                  Sou imensamente grata às pessoas que me acolheram. Nos primeiros dias, estava praticamente só de “corpo presente”. Um dos colegas se ofereceu para ajudar nas resoluções dos processos, ou mesmo de “fazer “  parte do meu serviço. Não foi necessário. No entanto, emocionou-me tal empatia. Qualidade tão rara de achar num mundo tão individualista. Jamais esquecerei essa atitude num momento tão delicado.

                   Penso que se manter ocupado é essencial para quem está num processo de luto. Resolve? Não.Mas ajuda.

                   E toda ajuda é boa quando se está tentando viver um dia de cada vez .