quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Sobre o luto


               A insônia bateu. Antes não existia . Também não tinha pressão alta. Esses são apenas alguns detalhes do depois, que os outros desconhecem. A pouca tolerância a certas futilidades, também . O mundo é visto sob outra ótica. As lentes mudam completamente. 

           Conversando com uma amiga , que teve uma depressão muito séria, sobre o que ouvia durante o processo, disse que escreveria sobre o que ouvia durante o luto. E que eu não sabia se antes, falava ou reproduzia essas frases.

           “ Você tem um anjinho no céu …”  - como mãe, sinto tanto a falta dele por aqui . Queria a presença física que sentimos falta diariamente. Passando o tempo que for .

           “ Você tem outra filha… “  - nem que tivesse vários outros, nada e ninguém substitui aquele que se foi

           “ Você sabe que dor é essa … perdi o meu cunhado ( ou o cachorro, ou o papagaio, ou sei lá quem ) - penso que a dor da partida de um filho não tem comparação. É parte de você que se vai … numa partida tão precoce então …

           E a pior , “ foi melhor assim…”   - melhor para quem ? 

            Não, nunca retruquei . Penso que foram chavões repetidos  sem questionamentos. 

           Talvez a melhor atitude  seja, simplesmente, dar um abraço. Como que dizendo silenciosamente, estou aqui . Não sei que dor é essa, pois não passei por isso, mas sou solidário ( a) . E se precisar de mim, estou ao seu lado . 

           Tive a sorte de ter tido e ter, tantos bons amigos, ao meu lado. Mesmo sabendo o quanto é solitário e duro o processo do luto. O que você passa , só você passa . A dor do seu companheiro, não é igual a sua,  mesmo que semelhante. Cada dor é única , porque cada relação é única. E como sentimos também. 

          “ cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é….

            Cale a boca, não cale na boca notícia ruim”.

            Ter amigos, pessoas que verdadeiramente torcem por você, ajuda a travessia.  Benditos sejam eles. 

terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Simples

             Você faz muita falta … 

             A falta da romã hoje me lembrou você . Eu e você gostávamos de romã aqui em casa . 

              Mas a romã não estava à mesa , como tradição, e nem você aqui. 

              O meu desejo para o ano que vem, depois de um fim de ano tão tumultuado, que estejamos todos aqui no próximo ano.         Bem , e com saude .

               Parece tão simples, mas hoje entendo a profundidade do simples .  O simples que nos faz falta . Ou simplesmente que não nos falte ninguém. Simples assim.

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Stillness silence

“Eu hoje acordei tão só

Mais só do que eu merecia 

Acho que será pra sempre

Mas sempre não é todo dia “


          Eu me pego pensando sobre a solidão no processo  da escrita , após ler  Escrever, da Marguerite Youcenar .

         Conversando com uma amigo , veio a seguinte frase: nascemos sozinhos e morremos sozinhos .

          Sim, somos mais produtivos na solidão . Quando mergulhamos nas nossas profundezas , quando as conexões de nossas observações surgem. Quando as palavras brotam. Emergem para ganhar significado.

          Talvez por isso tenho escrito pouco. A correria de fim de ano. Aniversário, confraternizações, apresentações . Tantas movimentações… 

          Quando tudo para , percebemos nossas inquietações. Os espaços não preenchidos. Os vazios, as ausências. A falta que você me faz… e sempre fará . Sempre.


Ps: por essas “ coincidências “ , conversamos na aula de inglês sobre a tradução de Stillness silencie, difícil se traduzimos literalmente. Escrevi este texto antes .

sábado, 23 de novembro de 2024

Carta para o meu pai

“ O cuidado é a medida do amor “

          Obrigada por cuidar tanto de nós . 

Do pai novo que embalava a filha que adormecia apenas com as suas canções . Das laranjas descascadas para todas nós e até hoje, para a mãe . Das curiosidades despertadas através das viagens , dos passeios aos museus e pela natureza ( embora não tenhamos guardado nem metade dos nomes das árvores ). Do olhar fotográfico, que sinto que herdei um pouco , e que o João Pedro tinha. Da gaita tocada, que nos surpreendeu pela  habilidade musical e de quem a Sandra deve ter herdado o ouvido quase absoluto. Dos gibis que sempre existiram em nossa casa que incentivou o prazer da leitura, e posteriormente as inúmeras enciclopédias ( Barsa, Delta, Ler e saber, Mundo das crianças). Dos matinês no cine Augustus, com a abertura com o tema de Lara,  que fazia as delícias do domingo de manhã. Das lindas orquídeas cultivadas, na casa da rua Jandaia. Das viagens pra praia, com o porta bagageiro em cima do carro. Do avô que conseguia carregar um neto em cada braço . Dos sukiyakis, nishimês e cozinha deliciosa, que nos presenteia até hoje. Do trabalho incansável. Do ensinamento do voluntariado e da cultura japonesa. 

De tantos shows, circos e espetáculos que nos levou. Holliday on ice, Orlando Orfei estão em nossas memórias, entre outros.

Dos jogos de baralho , dominó e de ter transformado a mesa de jantar em mesa de ping pong  ( sem a aprovação da mãe, mas voto vencido ). 

Dos bolos da Confeitaria Suíça nos aniversários, ovos de Páscoa  do coelho e presentes do Papai Noel .

Se escrevêssemos tudo, esse texto seria interminável ..


Por isso, finalizo com um poema de Cora Coralina que gosto muito . 

Pois o senhor tocou e continua tocando muito os nossos corações: 

“Não sei se  a vida é curta ou longa demais pra nós,
mas sei que nada do que vivemos tem sentido,se não tocamos o coração
das pessoas.

Muitas vezes basta ser: colo que  acolhe, braço que envolve, palavra
que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima
que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.

E isso não é coisa  do outro mundo, é o que dá sentido à vida.

É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas
que seja intensa, verdadeira, pura… enquanto durar.”

(Cora Coralina)


Por tudo que nos ensinou por todos estes anos, nós, familiares e amigos agradecemos: nosso muito obrigado!!!

domingo, 17 de novembro de 2024

Conversa com o meu filho


Veio a partida inesperada. Angústia. Fala entupida. Fui para a terapia. Minha cura era falar tudo.


Um dia descobri que a fala não consegue expressar tudo.  

Descobri o lapso entre o pensamento e a fala. Ideias são muitas . A fala não acompanha.  No entanto, continuo escrevendo como quem fala.

Conversa com as mulheres que vieram antes de mim. Conversa com as mulheres que vieram depois de mim. Conversa com o meu filho .

Colo para mim. Colo para outras mães . E quem sabe, colo para o meu filho.


Escrito durante a oficina de escrita e cura. Baseado em um texto de Ana Cristina Cesar

domingo, 3 de novembro de 2024

Ainda sobre finados

              Eu não sei perder.

              Tenho dificuldade em deixar as pessoas do meu convívio irem, e as vezes não cabem mais .

               Guardo cartões, presentes de muito tempo. Da época em que se mandava cartões e aerogramas ( lembram ? ) de Natal.

               Finados, dia dos mortos. De quem se foi, partiu.

               Ah , mas você não perdeu. Ele está do outro lado do caminho. 

               Sim, está . 

               Mas … perdi a convivência. Perdi o beijo e o abraço. Perdi a escuta da voz, chamando mãe. Perdi o olhar. Perdi o cuidar. Perdi os sons que ecoavam pela casa: a música, o videogame, a TV ligada, as brincadeiras com a Meg. Perdi o senso de humor e a visão do seu sorriso. 

              Dia de lembrar das perdas. E de tentar lembrar dos ganhos,  da convivência,  do tempo que esteve por aqui ( se possível). 

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Texto de um amigo

 Recentemente me indaguei acerca da própria construção de caráter de um alguém: eu.

Isso se deu pois fui bombardeado por questões sobre a formação de memória, sentimentos e perspectivas relativas ao crescer.

Ora, muito embora para crescer seja imprescindível avançar no tempo, cheguei à conclusão de que é necessário, também, revisitar às questões que formaram nosso próprio ser. 

Não me esqueço da minha primeira quebra de expectativa para com a vida.

Ahh, a vida. Me traiu.

Era criança e, para não fugir ao ordinário: inocente. 

O acontecimento “morte’’ era apenas uma figura abstrata, muito longe de qualquer tipo de coisa que eu já tivesse experienciado.

É claro que ouvia acerca de meu vô materno que tampouco cheguei a conhecer. Obviamente percebia o luto daqueles que experienciavam a morte daqueles próximos.

Entretanto, nunca tinha sentido a morte – e o luto - de perto. 

João Pedro.

Daquilo que consigo lembrar de você, caro amigo, da sua inocência, compadre, emergem algumas coisas:

Eras fiel amigo e de bom humor; superava as outras crianças em sabedoria, eis que manso.

Ultimamente, davas a outra face;

Jogávamos juntos e contra outros clubes perdíamos (quase) sempre. A felicidade estava não nos jogos, mas nos treinos (além do campeonato interno do clube). 

Não esqueço quando ví um lampejo de adolescência em você, um simples lampejo.

Por mais estranho que seja e, por mais que minha mente me engane acerca da idade que tínhamos do fato, lembro de quando você, notadamente lembrado pela sua paz de espírito, se enfezou com um atleta da equipe adversária e, o desafiando pela disputa da bola, tomou um cartão amarelo. 

Você deu risada, caro amigo, mas me lembro que fiquei espantado. 

Há poucas semans me confrontei com um segundo falecimento: um avô de um familiar.

Embora morasse longe e tampouco me fosse relativo, acabei me sentindo melancólico, afinal, com ele conversei em algumas oportunidades: era um homem sábio.

O velório foi no mesmo lugar onde você descansa, ‘’Kenji’’, e não pude deixar de revisitar essas memórias.

Perguntei à atendente do local você estava e fui até lá. 

Confesso que quando cheguei ao local, chorei. Quanto tempo!

Tantas vezes sua própria condição não me fez pensar sobre as razões da própria vida! Tantas vezes sua paz não me serviu de exemplo! Tantas vezes nossa inocência me foi substância de contemplação.

Uma coisa é certa: a ideia de Kenji – e o fato de sua partida – caminharão comigo para todo o sempre e mesmo após tantos anos, não deixei de me emocionar.


Texto escrito por um amigo do João Pedro. Muitos sentimentos e emoções ao recebê-lo . Com certeza, meu filho estava cercado de pessoas muito especiais.