quarta-feira, 26 de junho de 2024

A dor

 “ O poeta é um fingidor. Finge tão completamente, que chega a sentir que é dor, a dor que deveras sente .” ( Fernando Pessoa)

           Para alguns , ou melhor algumas , é o contrário. Fingimos que não sentimos a dor, que deveras sentimos .  Ou para, por ora , prosseguirmos. 

                  Talvez porque os sentimentos são reversos. Entregar um filho “ é o revés” de um parto.  Partir antes dele é reversa a natureza , a dita “ normalidade” .

                 Como alguém disse,  e repito mais uma vez, “ morte de filho não se supera “.  Seguimos adiante, ressignificamos a vida.

                No entanto, às vezes precisamos deixar a dor vir. Para podermos entender e aprender a conviver com ela . Para que ela se torne saudade e boa lembrança, mesmo estando guardada  e aparecendo. Mesmo parecendo  impossível.

              Não sei se o tempo é o melhor remédio, mas ajuda a amenizar. Como uma ferida aberta que cicatriza. 

               Para que nos tornemos poetisas de nossas vidas. Transformando dor,  em poesia .



Para a Lu:  Hoje sempre será o aniversário do Francisco. O dia que ele veio a esse mundo nos agraciar com a sua presença 


( escrito no dia do aniversário do Francisco)


domingo, 16 de junho de 2024

A marca indelével

                   Sempre tive uma certa tendência à melancolia . Gosto de músicas de “ rasgação de pulsos” , dramáticas mesmo. Apaixonei pelas poesias e músicas do Vinicius de Moraes,  na adolescência. Embora converse muito, aprecio muito os momentos de “ meus livros, meus discos e nada mais “. 

                    No entanto,  nada disso se refere a marca indelével que deixou em mim. Ou melhor, que a sua partida deixou em mim. E que hoje, eu reconheço nas mães cujos filhos partiram.    

                  Podemos sorrir , prosseguir a vida , mas a marca está lá. Podemos ter momentos alegres, amamos os outros filhos,  outras pessoas , mas a marca está lá . 

                  Podemos rezar, consolar o próximo, ajudá-lo, mas a marca continua lá . 

                Temos a consciência da existência dela. Do quanto ela se incorporou em nós.  E temos saudades de quando ela não existia . 

                 A marca que não se consegue apagar , extinguir, destruir. A marca  que  o tempo não corrói, permanente.

                  A marca que faz  uma mãe que perdeu um filho dizer para outra que também  perdeu: “ você sabe como é”.  Sim, só nós sabemos . 

domingo, 2 de junho de 2024

Fica aqui comigo

               


                 -  Mãe, fica aqui comigo…

                 Eu ia me afastar um pouco,  para atender o celular insistente. E assim, você falou sonolento. 

                  Voltei e continuei a segurar as suas mãos. Lembrando de como costumava  fazer quando era menorzinho. Segurava  e beijava suas mãozinhas fofinhas. Até você escapar e me provocar: 

                  - Você não me pega. 

                  Corria feito um foguete, mas conseguia alcançá-lo  e fazer cócegas.  E você gargalhava. 

                 -  Para mãe , para. 

                 -  Pede água. 

                  - Não  ( e mais risadas ). 

                   Depois de um algum tempo resistindo e tentando se desvencilhar…

                  - Água mãe. Água…

                  Afastava-se rindo muito. Até a próxima provocação.

                  - Você não me pega … 

                 Ainda lembro da risada, do som da sua voz, da pele macia, do cheiro. 

                 Tinha tanto medo de esquecer. Acho que não desaparecerá mais. São ecos que permanecem.

                  Agora, sou eu que muitas vezes tive vontade de dizer :

                  -  Filho, fica aqui comigo.