domingo, 29 de setembro de 2024

Palavras formigando

         Acordei com as palavras formigando . Ainda na cama sinto: preciso  escrever . As palavras estão soltas , as ideias ganhando corpo. Como gritando : precisamos existir. 

Sou sobrevivente. Li em algum lugar que as mães que perderam um filho são sobreviventes. Tal como um alcoolista do AA, um dia de cada vez. Mesmo depois de muito tempo, para o tempo terreno . Pois, para nós o tempo é diferente. Parece que foi ontem, ao mesmo tempo parece tão longe.  O último beijo , o último abraço, o último sorriso, o último carinho , as últimas palavras.

         Só as lembranças nos restam… é um amor infinito.  Um amor que mesmo assim, continua existindo e crescendo .

Em tempos como estes, a angústia aumenta .

          9 anos atrás estava no hospital. À espera. A pior espera  que pode existir . O revés de um parto.  Espera do coração do meu filho parar.  Morte cerebral constatada, esperava seu coração valente parar de bater .  Não sei se existe algo mais torturante que isso . 

         Eram seus últimos momentos nesse plano .  Ao menos corporalmente.

Cruel demais para o coração de uma mãe .

Lágrimas já estão a escorrer .  Aperto no peito . O ar sufocante, mesmo com a chuva caindo, após tanto tempo.

Desabo. 

Preciso.

Para me reconstruir. 

Dia após dia. 

“… foi assim. Assim será”.


( Escrito no dia 16 de setembro)

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Carta de 9 anos




Carta de 9 anos

Meu filho, hoje lembrei desse poema : 

“ Quando vier a primavera 

Se eu estiver morto,

As flores florirão da mesma  maneira

E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada”

( Alberto Caeiro - heterônimo de Fernando Pessoa) 

          E assim chegou setembro. Anunciando a “ boa nova nos campos”.  No entanto, você não chegou até a primavera. Os ipês continuam florindo, as orquídeas em frente de casa também, mas você não estava aqui para ver, nem as folhas verdinhas que o encantavam quando pequenino.

         Não estava e não está, por nove primaveras.

         Continuo sensibilizada por flores, paisagens e fotos, tal como você que tirava lindas fotos.   

         Continuo ouvindo e “ curtindo” música, vendo filmes e séries e acompanhando esportes diversos, como você fazia na nossa companhia. 

         Continuo apaixonada por viagens. Porém, ando mais medrosa com as “aventuras” que tanto gostava. Mergulho, trilhas e alguns brinquedos mais radicais. 

           Fico a pensar, que desde a sua partida, tal como uma comida que apreciamos na infância e deixamos de fazer na idade adulta, o sabor de tudo mudou. Creio que não era simplesmente pela comida, mas pelas circunstâncias. O ambiente, a companhia, o preparo, o cheiro, os sons, as risadas…

          E assim tem sido por nove anos. 

          As flores florescem, mas você não está aqui.

          As folhas continuam verdes, mas você não está aqui

          O sol continua levantando e se pondo, mas você não está aqui. 

          Os pássaros continuam cantando, as músicas tocando, mas você não está aqui .

          E assim a vida seguiu. Não foram poucos, e sim muitos,  momentos que pensei o quanto teria apreciado, aquela comida, aquele passeio, aquela música,aquela paisagem… 

          E como doeu meu coração em cada instante deste.

          Naquela foto de família em que faltava você. No seu aniversário de 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21 anos que as comemorações, sem celebrações, foram silenciosas. 

          Nos Natais, dos anos novos, dia das mães, dia dos pais, nossos aniversários e em cada domingo de almoço em família.

          Já estou em lágrimas.

          Sinto tanta a sua falta. Tanta, tanta, tanta..

          Mesmo sabendo e sentindo que está bem, onde estiver, é um sentimento que não posso negar. A saudade diária, os fatos que ainda não compreendo, sei que me acompanharão sempre. Enquanto eu estiver por aqui. 

          Sei que de algum lugar, está olhando para nós. Se assim não fosse, nada teria sentido.

          Sei também que esse amor que sentimos um pelo outro, sempre nos acompanhará.  O amor que transcende a morte.  O amor que traz a esperança do reencontro. O amor que  nos alimenta para seguirmos adiante.  O amor eterno.

          Amo-o para todo e sempre, meu filho, João Pedro.

sábado, 7 de setembro de 2024

Três encontros, três mães

            
                 Três encontros, três mães com histórias diversas e semelhantes. 
1- Encontrei a mãe de uma amiga, na missa de sétimo dia de uma amiga em comum. Ela me viu, veio ao meu encontro, abraçou- me fortemente e começou a chorar. E me disse:  “para quem perde um filho como nós, esse sentimento nunca passa”. Sai de lá e desabei. Chorei pela amiga que se foi, chorei pela mãe da amiga, chorei pelo meu filho, chorei por mim. “ … eu pensei em mim, eu pensei em ti , eu chorei por nós…”.

2- Enviei um texto via Zap para uma amiga que perdeu um filho. Falava sobre o ato mais difícil do mundo: entregar um filho a Deus . Recebo a seguinte resposta : “eu não consigo fazer as pazes com Deus. Não sei se um dia entenderei a razão Dele ter levado meu filho, depois de tudo o que ele passou ao longo da vida. Em seu melhor momento, tudo acaba.” Penso que tudo é muito recente para essa mãe. Tudo tem um tempo. E por mais difícil que seja, o entendimento dos fatos, penso que não será nesse plano. Ainda assim, agradeço a Deus por ter me sustentado até aqui. E não creio que foi a vontade Dele que levou nossos filhos, mas algo que está além da nossa compreensão. Mas respeito imensamente o seu momento e a sua dor.  É um sentimento inimaginável.

3- Em um evento de uma ONG, encontro a mãe de uma amiga da minha irmã. Fazia muitos anos que não a via. Uma senhora muito alegre e forte. Perdeu a filha de leucemia, muito jovem. Após a morte da filha , o marido não suportou a dor e também faleceu. Na sequência teve um câncer, e forças para superar e cuidar  da neta. Comentando a passagem do tempo, disse que já fazia 21 anos que a filha tinha partido. E o quanto tinha sido difícil esse dia das mães, pois esse ano, a data da partida caiu exatamente no dia das mães. Com certeza me ver, fez lembrar da filha, já que minha irmã era muito amiga dela . 

              Pode passar o tempo que for,  menos de um ano ou mais de vinte anos, as lembranças surgem. Às vezes do nada.

              Algumas vezes são doces, outras dolorosas. Algumas nos fazem sorrir, outras chorar. Outras sorrir e chorar ao mesmo tempo, num misto de emoções.

               E aí peço e lembro daquela música: 

“ Tristeza , por favor vai embora

…. Fez do meu coração a sua moradia 

Já é demais o meu penar

Quero voltar àquela vida de alegria “ .

                 Voltar não volta. Mas ainda assim, mesmo parecendo impossível, podemos encontrar algumas alegrias e paz de espírito. Que assim continue.


Ps: a foto tirei numa caminhada em estradas rurais. Coincidentemente 3 flores. Sobreviventes.