terça-feira, 24 de setembro de 2019

Dezesseis anos ( Carta)

            Às vezes me perguntam:você só tem ela ( de filha). E eu, com o coração doendo, respondo só. Você me perdoa, João Pedro. É muito complicado explicar e o mundo não quer saber da sua dor. Embora eu tenha vontade de gritar para todos: eu tenho dois filhos. Nasceram dois filhos do meu ventre. Uma está aqui e o outro partiu para outro plano. Mas eu sempre vou ter dois filhos. Mãe de menina e de menino. Você vai estar sempre comigo, João Pedro. Até porque você faz parte de mim. Você e a Amanda sempre foram a minha melhor parte. Aliás, a maternidade é algo engraçado. Os filhos saem do corpo, mas ocupam permanentemente um lugar no coração. Eu disse permanente, e assim sempre será.
           Daqui dois dias é o dia do seu aniversário. Há 16 anos você veio a este mundo. Tão pequenino e parecia já estar atento a tudo. APGAR 10. Tranquilo, dormia bastante. Andou com 9 meses, com um ano já comia sozinho. Muito independente respondia que não era bebê, era menino. Parecia que chegou sabendo o que queria. Suas escolhas eram certeiras: era aquela roupa, aquele brinquedo, aquela comida, aquele lugar. Generoso ( pegou seu melhor caminhão para dar para o menino da creche), sensível ( o fulano ficou triste ou chateado com algo), alegre, cercado de amigos ( desde os mais quietinhos até os mais agitados).
         Quando penso que eu o peguei no colo, amamentei, troquei as fraldas, dei a mão para os primeiros passos, acompanhei as primeiras leituras ( queria muito ler), os primeiros chutes de bola, andar de bicicleta sem rodinhas.
          Queria ser médico de dor de cabeça ( que ironia). Depois jogador de futebol. Corintiano que era, contei que um dos maiores ídolos do Corinthians era médico e jogador de futebol. Então era isso que queria...
           Tantos sonhos interrompidos.
           Vejo o noticiário que anuncia a tragédia dos dez meninos da base do Flamengo que morreram num incêndio no Centro de Treinamento. Meninos de idade próxima a que você teria. Felizes, de diversas partes do país. Rostinhos lindos. E penso na dor das mães deles. Imaginando se eles sofreram ou não antes de morrer. Sabendo que elas nunca mais vão poder abraçar,  falar com seus filhos, torcer por eles, vê-los crescer. E penso que sei que dor é essa. E sei que a saudade vai estar sempre presente.
            Compadeço dessas mães e sei o quanto ainda vão chorar. Logo chegarão os primeiros aniversários sem eles: de nascimento, o dia das mães ( que nunca mais serão completos), o Natal, o Ano Novo, as comemorações de família e o primeiro aniversário de morte.
            Ainda não entendo e acho que não vou compreender nessa vida.
            Sei que não cabe a mim compreender e sim aceitar para tocar em frente. Questão de sobrevivência.
             Mas se perguntassem , sabendo de tudo que passou ( e ainda passa) se pudesse você escolheria uma vida diferente?
             Não, pois não teria tido você João Pedro, em nossas vidas.
             Não teria o bebê agarradinho em mim, o menino com o sorriso maroto, não teria torcido nos seus jogos e gritado “vai João Pedro”, rido de suas brincadeiras e gracinhas, curtido tantos filmes e músicas juntos, lutado e rolado no chão, feito massagem nos seus pés fofinhos e cócegas também.
             Você era barulhento e inquieto como toda criança saudável. E falante. E transparente nos seus sentimentos e afetos.
              Ah, como eu sinto a sua falta. E embora você esteja em mim, vou sentir sempre.
               Se “saudade é o amor que fica”, a saudade realmente é eterna. Fora do senso comum.
               Amo você. Para todo e sempre.

                          Sua mãe


Londrina, fevereiro de 2019.

         

3 comentários:

  1. Que lindo Denise, chorei de ler seu desabafo, verdade não dá pra acreditar, tudo muito rápido sem explicação

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  2. Saudades eternas e para suportar temos o Pai para nos amparar.

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  3. nossa que lindo, me emocionei... deu para ouvir a sua voz gritando nos jogos e ver o rostinho do joão pedro sorrindo maroto... saudades do joão pedro tbm, saudades suas... te admiro... pri

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